Dias Melhores Virão.

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Relato sobre a entrega de marmitas produzidas pelo coletivo “Comitiva do Bem”, em Cotia-SP.

Prof. Daniel Brito

Quatro carros carregados com 286 marmitas produzidas pela cozinha de campanha “Comitiva do Bem” e caixas com dezenas de roupas chegam ao fim da rua. Um escadaria enorme marca a entrada da comunidade “Morro do Macaco”, no bairro Turiguara, em Cotia – SP. A orientação é que o grupo, com cerca de dez jovens, se divida entre os que ficariam por ali, distribuindo as roupas e abastecendo as sacolas retornáveis de mercado com marmitas, para que outro grupo possa levá-las morro acima, distribuindo a comida, ainda morna, porta a porta. São 14h de sábado, dia 11 de julho, em meio à pandemia de Covid-19. Todos os voluntários vestem máscaras de proteção.

Cada um dos que sobem levam duas sacolas com oito marmitas em cada. É possível sentir o apetitoso cheiro da comida no ar – arroz, feijão, legumes e carne cozida, desfiando de tão macia. No fim da escadaria uma placa cruza a viela com letras cursivas, coloridas, pintada à mão – “Dias melhores virão.” assim mesmo, sem ponto de exclamação. Conforme subimos, a viela se estreita e se ramifica pelo morro, em alguns lugares, a largura da viela não passa de um metro.

As casas são feitas com sobras de madeiras usadas em construção e telha de amianto sem forro, pouquíssimas casas são feitas de tijolo baiano, sem reboco. Botecos acompanham a arquitetura local, uma barbearia de madeira se destaca com uma pintura grafitada. Um riacho morto desse morro abaixo em meio à passagem, canos de esgoto derramam águas negras a céu aberto. Crianças, muitas crianças, pulam de um lado a outro da margem em uma brincadeira séria.

Sem saber como fazer para oferecer a comida observo um voluntário mais experiente, toda vez que ele cruza com alguém pergunta: “-Quer uma marmita?” a pessoa aceita com um valoroso sorriso, o voluntário pergunta quantas pessoas moram na casa e distribui a mesma quantidade de marmitas. Sigo fazendo o mesmo. Ao entregar, é muito comum que as pessoas agradeçam dizendo: “-Deus lhe pague!”, e eu respondo sem pensar: “-Amem!”.

As marcas da miséria emergem em problemas de saúde pública, para além da falta de saneamento básico mínimo, o alcoolismo se evidencia entre passos cambaleantes, rostos inchados e olhos e pele esverdeados, sintoma comum de icterícia alcoólica, sinal de que o fígado está visivelmente comprometido.

A distribuição dos alimentos e das roupas dura cerca de 40 minutos. Entre os voluntários a preocupação se divide entre a própria segurança e o compromisso de distribuir as marmitas, porta a porta, com qualidade. Queixas em relação à imensa escadaria também se faz presente, mas sempre enunciadas com bom humor.

Ao terminarmos a entrega, todos comemoram e se despedem, sinto-me fortalecido e com as esperanças renovadas, saio inspirado pela mensagem que nos recebeu na comunidade por meio da placa da entrada “Dias melhores virão.”. Entregar comida alimenta a minha alma e a daqueles que creem em um mundo mais justo.

*Prof. Daniel Brito é mestrando pelo departamento de filologia e linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, dá aulas de língua portuguesa para o ensino fundamental e médio no Colégio Viver, faz parte da gestão do Instituto ComViver, onde coordena os projetos “Corpo Voz e Fala” e “Formação Política Estudantil”, ambos na EMEF Eduandário Dom Duarte e, mais recentemente, ajuda a construir o programa de ação emergencial do instituto à frente da ação “Comitiva do Bem”

 

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